sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Para todas as estações da vida: redes intergeracionais, informação e cultura

Imagem do pôster apresentado
RESUMO: O trabalho tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento do conceito de rede intergeracional, tomado sob perspectiva teórica e metodológica, a partir de enfoque histórico-cultural. A fundamentação teórico-metodológica está centrada nas abordagens do conceito das redes, sobretudo no campo das ciências sociais, porém, ressalta-se o vazio relacionado à conceituação das redes intergeracionais sob a perspectiva cultural. A revalorização da experiência marcada pela aproximação entre as diferentes gerações é fundamental para a construção dos laços sociais, cada vez mais distanciados pelo ritmo veloz característico do “caos informacional” que vivemos e o caráter utilitário relacionado à transmissão dos saberes, às lições da tradição e a denominada “crise da memória”. Propõem-se a apropriação dos recursos tecnológicos e de comunicação, como as ferramentas de redes sociais online e os blogs, para estabelecer as conexões rompidas.

Palavra-chave: Rede Intergeracional; Rede Cultural; Mediação Dialógica; Cibercultura; Blog

1) Introdução
Pensar as relações entre informação, memória e educação na contemporaneidade, entre tantos aspectos, obriga-nos a considerar os avanços tecnológicos e seus produtos como questão crucial a ser enfrentada por todos nós. Resultante de tal avanço, vivemos em meio à avalanche informacional sem precedentes históricos, assim como à aceleração extraordinária dos processos de produção, circulação e recepção de informações, condição que vem afetando nossos modos de lidar com elas de construir conhecimentos. Neste quadro, conforme Perrotti e Pieruccini (2008, p. 52) “a falta convive lado a lado com o excesso, o fortuito com o permanente, o virtual com o real, embaralhando fronteiras e percepções que alteram irremissivelmente as relações com o conhecimento e o saber”.
Na ânsia por encontrar uma ordem no emaranhado de informações e atribuir-lhe sentidos, conforme Maffesoli (1996), os sujeitos direcionam-se a um núcleo, “sua tribo”, embora convivam também com relacionamentos sem limites geográficos, sobretudo nos ambientes virtuais. Se estes enriquecem as trocas de informações, não enriquecem necessariamente a experiência, conforme Benjamin (1993), aspecto essencial da construção da memória social.
Neste panorama de reconfiguração da cultura, nos extremos das forças de voz e voto, idosos e crianças isolaram-se e estão, cada um a seu modo, isolados. Tal situação impede a formação de importantes vínculos intergeracionais e aprofunda o trânsito de informações indispensáveis a ambas as partes.
Se, por um lado, os idosos poderiam redescobrir fontes de aprendizado, fomentar o crescimento de novas conexões sociais, compartilhar experiências e memórias, de outro, crianças e jovens poderiam ser beneficiados, pois como indica Perrotti (1991), o confinamento das crianças em locais apartados da memória viva da cidade, reduz seu repertório cultural, circunscrevendo-os ao tempo presente. Tal situação seria “uma tendência geral de reforço da uniformidade, de redução das significações (...) seja no plano cognitivo ou motivacional” (PERROTTI, 1991, p. 95).
O isolamento das gerações compara-se à visão de livros sem leitores ou, em outros termos, do contador de histórias sem ouvintes. O que seria da personagem Sheherazade e seu amplo repertório sem uma interlocução? Se os saberes da vida são confinados aos sujeitos, ao esquecimento e à perda, se não são transmitidos, como os conheceremos? Estamos destinados ao eterno retrabalho especializado e autista diante de tantas fontes vivas?
Nesse sentido, urge uma reflexão sobre as proporções deste confinamento de crianças, jovens, adultos e idosos, e as formas possíveis de intervenção, de mediação cultural entre as diferentes gerações, a fim de que possamos contribuir para o restabelecimento de laços sociais rompidos, mas indispensáveis também em nossa era da informação. Assim, como alternativa, mais do que reunir diferentes indivíduos para troca de informações entre si sobre suas vivências e os trabalhos que realizam isoladamente, nosso trabalho propõe-se a estudar as relações intergeracionais na contemporaneidade, a partir da formação de uma rede entre idosos, crianças e jovens, tendo em vista a troca de experiências de vida que não são senão trocas de saberes e de visões de mundo fundamentais às diferentes faixas etárias.
A necessidade de compartilhar informações e reconstruir os laços sociais, ou simplesmente o aprimoramento de trabalhos, é a base da formação das redes. A especificidade de nosso objeto e nossas indagações tecem os seguintes objetivos:

2) Objetivo geral
· Contribuir para o desenvolvimento do conceito de rede intergeracional, compreendida como uma modalidade específica de rede cultural.
· Explorar e analisar as possibilidades das redes intergeracionais como dispositivos de reterritorialização das relações de idosos e jovens, ou seja, como instâncias capazes de promover intercâmbios e interações indispensáveis aos processos culturais de construção de sentidos.
· Contribuir para o desenvolvimento da trama conceitual e metodológica necessária à consolidação da Infoeducação como abordagem teórica e prática nova e fundamental das relações entre Informação e Educação, na contemporaneidade.

2.1) Objetivos específicos
· Desenvolver referências conceituais e metodológicas necessárias à formação de redes intergeracionais como modalidades específicas de redes culturais.
· Sistematizar a construção de um blog intergeracional como um dispositivo comunicacional a serviço do fortalecimento das redes intergeracionais.

3) Metodologia
Entre os diversos tipos de pesquisas de natureza qualitativa, a pesquisa em desenvolvimento caracteriza-se como pesquisa colaborativa, ao envolver a participação e colaboração entre o pesquisador e os demais participantes do processo de pesquisa.
Na pesquisa colaborativa, conforme Ibiapina e Ferreira (2005, p. 32), os indivíduos “tornam-se parceiros, usuários e co-autores do processo de pesquisa”. Quanto à investigação “é delineada a partir da participação ativa, consciente e deliberada de todos os partícipes e as decisões, ações, análises e reflexões realizadas são construídas coletivamente por meio de discussões grupais” (IBIAPINA; FERREIRA, 2005, p. 32).
Assim, segundo tal opção, há uma alteração da condição de pesquisador-observador para a de pesquisador-participante. Logo, a perspectiva de pesquisar “sobre” altera-se para de pesquisar “com”, na busca dialógica entre sujeitos por ações transformadoras de uma determinada realidade.
Dada a peculiaridade de nossa pesquisa e a busca pela construção conjunta, houve uma atuação direta com o grupo de idosos que compõe a Estação Memória, dispositivo cultural intergeracional, criado por pesquisadores da ECA/USP, sob coordenação científica do Prof. Dr. Edmir Perrotti, e desenvolvido sob coordenação da Profa. Dra. Ivete Pieruccini. A participação contribuiu assim, para o envolvimento nas ações no momento de sua ocorrência.

3.1) A pesquisa
O projeto em desenvolvimento acompanha, num primeiro momento, o grupo da Estação Memória, formado por cerca de 20 idosos, com faixa etária entre 60 e 92 anos, sendo 4 idosos do sexo masculino e as demais participantes do sexo feminino. Além dos membros do grupo referido, também participam, na qualidade de mediadores culturais, três adultos com faixa etária entre 29 e 50 anos. O grupo apresenta nível sócio-econômico heterogêneo, de baixo e médio a elevado, sendo na sua maioria constituído por aposentados, com formação universitária diversificada: Pedagogia, Letras, Engenharia, Artes Plásticas, Biblioteconomia, entre outros.
As sessões são realizadas semanalmente, no período da tarde, com algumas ausências registradas por motivo de saúde, problemas familiares, entre outros. A presença varia entre 14 e 17 participantes por sessão.
Nossa participação na Estação Memória deu-se num momento de mudanças e conflitos relacionados ao espaço físico do grupo. Desde 1997, fruto de uma parceria entre a ECA/USP e a Secretaria de Cultura do Município de São Paulo, os encontros aconteciam na Biblioteca Infanto-Juvenil Álvaro Guerra, situada na Avenida Pedroso de Moraes, 1919, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Em razão de uma reforma da Biblioteca, decidida arbitrariamente e sem consultas prévias pela burocracia da Secretaria de Cultura do Município, o espaço da Estação Memória, apesar de suas ricas e originais possibilidades comprovadas em 10 anos de existência, foi desmontado, sob protestos e mobilização dos idosos que frequentavam a biblioteca. Especialmente concebida e organizada onde antes era um depósito de materiais fora de uso, a Estação deixa, assim, de funcionar na biblioteca e passa a oferecer suas oficinas na ECA/USP, enquanto a Universidade aguarda resposta à sua proposta de retomada da parceria que levou à criação e instalação do novo dispositivo cultural em um espaço cultural de natureza pública.
Num segundo momento, o projeto abarcará cerca de 30 crianças participantes do Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis, projeto social localizado na segunda maior favela de São Paulo.

4) Resultados
O projeto está em andamento e além do desafio de trabalhar com grupos intergeracionais, houve também as dificuldades para a realização dos encontros da Estação Memória no primeiro semestre, incluindo-se algumas paralisações e uma greve de funcionários da Universidade, fato que não impediu as reuniões do grupo e surpresas variadas ao discutir a temática das redes sociais online. Um participante, de 92 anos, surpreende positivamente, ao afirmar que ter um blog hoje é fundamental para o registro das comunicações e interações. Outro, é motivo de preocupação: não vou aprender a usar o computador nesta altura da vida.
Durante os encontros do primeiro semestre de 2009, escolheu-se o cinema como temática. Cada um, durante as reuniões, ia fazendo referências a “um filme inesquecível”, temática que será desenvolvida também com crianças participantes do projeto, para posteriores trocas entre os grupos.
Em relação às crianças, definiu-se com os responsáveis pelo Núcleo de Educação do Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis a proposta de trabalho em ambientes digitais de interação, mais especificamente os blogs, buscando um diálogo com os idosos da Estação Memória, a partir da temática mencionada.
Nossa proposta para esta fase do projeto é que as crianças acessem o blog da Estação, como exemplo de fonte de informação a ser trabalhada e interajam com o registro de suas impressões sobre os filmes no campo “comentários”, disponível neste blog. Os idosos já selecionaram cinco filmes para exporem às crianças, entre uma relação de vinte e quatro filmes comentados.
Está previsto também que as crianças realizarão uma oficina de suas memórias cinematográficas, como as realizadas com os idosos. Buscar-se-á criar um ambiente digital para o registro dos filmes “inesquecíveis” para, depois, os idosos entrarem no blog das crianças para a inserção de comentários. Assim, para ambas as gerações abrem-se o campo de diálogos, formas de comunicação e trocas simbólicas mediadas pela tecnologia, mas num momento posterior, de forma direta, presencial, pois como dissemos, será proposta uma sessão de finalização em que os idosos e crianças assistam juntos a filmes eleitos por ambos os grupos, dentre os escolhidos inicialmente. Em seguida, deverão realizar uma conversa presencial e virtual sobre o filme.

5) Algumas considerações
O trabalho pessoal em rede é tão antigo quanto a história da humanidade, mas é com o desenvolvimento das tecnologias de informação que fica mais evidente a noção de se estar conectado a uma rede global e em constante evolução. A diversidade de ferramentas de interação digital que não apenas facilitam, mas ampliam os meios de mediação, desde a simples troca de e-mails à adesão às redes sociais, como os blogs.
Há, na atualidade, uma diversidade de trabalhos que tratam da temática das redes no âmbito da informática e das ciências sociais, mas não na perspectiva de envolvimento entre jovens e idosos numa ação em rede, com vistas à ampliação dos horizontes informacionais, bem como da produção de novos conhecimentos veiculados por meio das experiências e dos relatos entre grupos geracionais distintos.
Desse modo, esperamos contribuir com este trabalho no desenvolvimento de conhecimentos que possam atuar, em termos contemporâneos, no restabelecimento de vínculos intergeracionais fundamentais. Desejamos, assim, compreender como as redes intergeracionais poderão atuar para que adultos, idosos e crianças redefinam e redescobrem espaços físicos e/ou virtuais de convivência e de trocas simbólicas, essenciais à constituição de si e do mundo em que vivem.
O uso de recursos como blogs para o fortalecimento e promoção das relações sociais entre gerações mostra que, diante dos avanços tecnológicos, da fragmentação dos vínculos, das relações, dos saberes e dos territórios, é fundamental pensarmos em intercambiar experiências, em refletir sobre os valores da memória individual e coletiva, bem como sobre a utilização da apropriação dos recursos tecnológicos e de comunicação para restabelecer conexões presenciais rompidas.

6) Referências bibliográficas
BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: ______. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 114-119.
FARIA, Ivete Pieruccini. Estação Memória: lembrar como projeto - contribuição ao estudo da mediação cultural. 1999. 177 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo.
IBIAPINA, Ivana Maria Lopes de Melo; FERREIRA, Maria Salonilde. A pesquisa colaborativa na perspectiva sócio-histórica. Linguagens, Educação e Sociedade, Teresina, PI, n. 12, p. 26-38, 2005.
MAFFESOLI, Michel. A república dos bons sentimentos: documento. São Paulo: Iluminuras; Itaú Cultural, 2009. 127 p.
PERROTTI, Edmir. Confinamento cultural, infância e leitura. São Paulo: Summus, 1991. 108 p.
PERROTTI, Edmir. Rede Biblioteca Viva. No prelo.
PERROTTI, Edmir; PIERUCCINI, Ivete. Infoeducação: saberes e fazeres da contemporaneidade. In: LARA, M.L.G.; FUJINO, A.; NORONHA, D.P., (Org.). Informação e contemporaneidade: perspectivas. Recife: Nectar, 2007, v. 1, p. 47-96.
PIERUCCINI, Ivete. A ordem informacional dialógica: estudo sobre a busca de informação em educação. 2004. 194 f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo.

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